sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Lua Nova. Pag 210-214


"Havia alguma coisa presa em minha garganta, sufocando-me. Tentei engolir, mas ficou alojada ali, sem se mexer. Tentei cuspi-la. - Lobisomens - eu disse, ofegante. Sim, era esta a palavra que me sufocava. O mundo oscilou, inclinando-se do jeito errado em seu eixo. Que tipo de lugar era esse? Poderia realmente existir um mundo onde lendas antigas ficavam vagando pelos limites de cidadezinhas mínimas e insignificantes, enfrentando monstros míticos? Isso queria dizer que todo conto de fadas impossível era baseado em alguma verdade absoluta? Havia, afinal, alguma coisa racional ou normal, ou tudo era magia e histórias de fantasmas? Segurei a cabeça entre as mãos, tentando evitar que explodisse. Uma voz baixa e seca no fundo da minha mente perguntou-me qual era o problema. Eu já não aceitara a existência de vampiros havia muito tempo - e sem toda aquela histeria? Exato, eu queria gritar para a voz. Um mito não bastava para qualquer um, não era suficiente para uma vida inteira? Além disso, nunca houve um momento em que eu não estivesse cem por cento ciente de que Edward Cullen estava muito além do comum. Não foi surpresa alguma descobrir o que ele era - porque ele, evidentemente, era alguma coisa. Mas Jacob? Jacob, que era apenas Jacob, e nada mais do que isso. Jacob, meu amigo? Jacob, o único ser humano com quem eu era capaz de me relacionar... E ele nem era humano. Reprimi o impulso de gritar de novo. O que isso dizia sobre mim? Eu sabia a resposta a esta pergunta. Dizia que havia algo profundamente errado comigo. Por que outro motivo minha vida seria cheia de personagens de filmes de terror? Por que eu me importaria tanto com eles, a ponto de arrancar pedaços enormes de meu peito quando eles partiam em seus caminhos míticos? Em minha cabeça, tudo girou e mudou de lugar, reorganizando-se de tal modo que aquilo que antes tinha um significado passara a ter outro. Não havia culto nenhum. Nunca houvera um culto, nunca fora uma gangue. Não, era muito pior do que isso. Era uma alcatéia. Uma matilha de cinco lobisomens pertubadoramente gigantescos e multicores que passara por mim na campina de Edward... De repente, eu estava com uma pressa frenética. Olhei o relógio - era cedo demais, e eu não me importava. Precisava ir a La Push logo. Precisava ver Jacob para que ele me dissesse que eu não perdera o juízo de uma vez. Peguei as primeiras roupas limpas que encontrei, sem me dar o trabalho de ver se combinavam, e desci os degraus de dois em dois. Quase esbarrei em Charlie quando escorreguei até o corredor, indo para a porta. - Aonde você vai? - perguntou ele, tão surpreso em me ver quanto eu em vê-lo. - Sabe que horas são? - Sei. Preciso ir ver Jacob. - Pensei que a história de Sam... - Isso não importa, tenho que falar com ele agora. - É cedo demais. - Ele franziu o cenho ao ver que minha expressão não se alterou. - Não quer tomar café? - Não estou com fome. - As palavras voaram para fora de meus lábios. Ele estava bloqueando minha saída. Pensei em confrontá-lo e correr, mas sabia que teria de explicar isso mais tarde. - Volto logo, está bem? Charlie fez uma cara feia. - Direto à casa de Jacob, não é? Nada de parar no caminho? - É claro que não, onde eu poderia parar? - Minhas palavras se atropelaram, na pressa. - Não sei - admitiu ele. - É só que... Bom, houve outro ataque... Os lobos de novo. Foi bem perto do resort, perto da estação de águas... Dessa vez teve uma testemunha. A vítima estava a apenas dez metros da estrada quando desapareceu. A espesa viu um lobo cinza imenso poucos minutos depois, enquanto procurava o marido, e correu para pedir ajuda. Meu estômago se desprendeu como seu eu estivesse na espiral de uma montanha-russa. - Um lobo o atacou? - Não há sinal dele... Só um pouco de sangue de novo. - A expressão de Charlie era de dor. - A guarda florestal está saindo armada, usando voluntários armados. Há muitos caçadores ansiosos para se envolver... Há uma recompensa pelas carcaças dos lobos. Isso vai significar muitos tiros lá pela floresta, e me preocupa. - Ele sacudiu a cabeça. - Quando as pessoas ficam agitadas demais, acontecem acidentes... - Eles vão atirar nos lobos? - Minha voz subiu três oitavas. - O que mais podemos fazer? Qual é o problema? - perguntou ele, os olhos tensos examinando meu rosto. Senti que ia desmaiar; devia estar mais branca do que o normal. - Você não vai dar uma de ambientalista para cima de mim, não é? Não consegui responder. Se ele não estivesse olhando, eu teria colocado a cabeça entre os joelhos. Tinha me esquecido dos montanhistas desaparecidos, das pegadas de sangue... Não ligara esses fatos à minha descoberta anterior. - Olhe, querida, não deixe que isso a assuste. Apenas fique na cidade ou na estrada... Nada de parar... Está bem? - Tudo bem - repeti com a voz fraca. - Tenho que ir. Olhe bem para ele pela primeira vez e vi que tinha a arma presa na cintura e estava com botas de caminhada. - Não vai para lá atrás dos lobos, não é, pai? - Tenho que ajudar, Bells. Tem gente sumindo. Minha voz subiu de novo, agora quase histérica. - Não! Não, não vá. É perigoso demais! - Preciso fazer meu trabalho, garota. Não seja tão pessimista... Eu vou ficar bem. - Ele se virou para a porta e a segurou, aberta. - Vai sair? Hesitei, meu estômago ainda girando em loops desagradáveis. O que eu poderia dizer para impedi-lo? Estava tonta demais para pensar numa solução. - Bells? - Talvez seja cedo para ir a La Push - sussurei. - Concordo - disse ele, e partiu para a chuva, fechando a porta atrás de si. Assim que não o vi mais, desabei no chão e coloquei a cabeça entre os joelhos. Eu deveria ir atrás de Charlie? O que ia dizer? E Jacob? Jacob era meu amigo; precisava alertá-lo. Se ele era mesmo um... Eu me encolhi e me obriguei a pensar na palavra. - lobisomen (e eu sabia que era verdade, podia sentir), então as pessoas ima atirar nele! Precisava dizer a ele e aos amigos dele que as pessoas tentariam matá-los se ficassem zanzando por aí como lobos gigantes. Precisava lhe dizer para parar. Tinha que parar! Charlie estava lá fora, no bosque. Será que eles se importavam com isso? Fiquei pensando... Até então, só estranhos haviam desaparecido. Isso significava alguma coisa ou era só obra do acaso? Eu precisava acreditar que pelo menos Jacob se importaria. De qualquer maneira, precisava alertá-lo. Ou... Precisava mesmo? Jacob era meu melhor amigo, mas era também um monstro? Um monstro de verdade? Dos maus? Eu deveria avisá-lo, se ele e os amigos fossem... fossem assassinos? Se eles estivessem lá fora abatendo a sangue-frio montanhistas inocentes? Se fossem mesmo criaturas de filmes de terror, em todos os sentidos, seria errado protegê-los? Era inevitável que eu comparasse Jacob e os amigos com os Cullen. Cruzei os braços no peito, lutando contra o buraco, enquanto pensava neles. Eu não sabia nada sobre lobisomens, isso era evidente. Teria esperado algo mais parecido com os filmes - criaturas metade homem, grandes e peludas, ou coisa assim -, se esperasse mesmo alguma coisa. Então não sabia o que os fazia caçar, se era fome, sede, ou só o desejo de matar. Era difícil julgar sem compreender isso. Mas não podia ser pior do que os Cullen suportavam em seu esforço para serem bons. Pensei em Esme - as lágrimas surgiram quando imaginei seu rosto gentil e adorável - e em como, maternal e amorosa, ela teve de cobrir o nariz, toda envergonhada, e fugir de mim quando eu estava sangrando. Não podia ser mais difícil do que isso. Pensei em Carlisle, nos séculos após séculos em que ele lutou para se condicionar a ignorar o sangue e salvar vidas como médico. Nada podia ser mais difícil do que isso. Os lobisomens escolheram um caminho diferente. Agora, que caminho eu deveria escolher?"